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07/11/2017

[Report] Apresentação em Lisboa do novo '1755' dos MOONSPELL, em dose dupla (com vídeos)


Existem acontecimentos na história de todos os países que tem uma forte influência na sua realidade presente. O dia 1 de novembro de 1755 é uma memória coletiva entranhada nas raízes culturais do ser português, o terramoto abalou as construções da capital mas também as fundações da sociedade e das crenças de um povo temente de deus, mostrando também a capacidade desse mesmo povo para se reerguer e seguir em frente. Ao décimo segundo álbum, caminhando a passos largos para as três dezenas de anos de carreira, os Moonspell reinventam-se mais uma vez, lançando o primeiro álbum totalmente em português, um trabalho conceptual em torno do terramoto de 1755, ano que dá nome ao álbum.

Sempre capazes de pensar outside the box, escaparam mais uma vez da armadilha de ficarem prisioneiros na zona de conforto. Unindo mais uma vez esforços com Tue Madsen e contando com a colaboração de Jon Phipps nas orquestrações e das Crystal Mountain Singers nos coros, compuseram um trabalho que mescla o metal sinfónico com a personalidade musical da banda, fundindo elementos agressivos com a elegância do metal gótico, no constante jogo de brutalidade e melodia. Trabalho esse que apresentaram em Lisboa na sala Lisboa ao Vivo.
Tradicionalmente a alcateia responde em força aos chamamentos e no passado dia 30 de outubro, primeira data da apresentação do novo álbum, apesar de no dia seguinte, véspera de feriado, no mesmo local existir nova data, compareceram em força. Às 21 horas, quando ainda faltava cerca de uma hora e meia para o espetáculo, já muita gente se encontrava no recinto, pelo que não foi de estranhar que quando finalmente os Moonspell subiram ao palco, se deparassem com uma casa muito bem preenchida. 

O espetáculo começa com ‘Em Nome do Medo’ na nova versão orquestrada por Jon Phipps, ainda apenas com o coro em palco, acompanhado imediatamente na voz pelo público, deslumbrando-se por cima do palco figurantes, demonstrando a intenção da banda em teatralizar o espetáculo indo de encontro ao aspeto de ópera rock do álbum. 


A banda surge em palco para tocar ‘1755’ encontrando uma multidão de metal horns, enquanto ecoam aplausos e gritos que os recebem entusiasticamente. 


Os riffs pesados acoplados eloquentemente com secções sinfónicas provocam os primeiros headbangings de uma maneira generalizada, Fernando Ribeiro solta a voz e todo o conjunto com grande senso de maturidade e visão constrói por entre o confronto de peso e melodia uma porta que nos conduz séculos atrás, conseguindo nos colocar naquelas ruas, perante o medo, a angústia, a descrença e a esperança, a mistura de sentimentos antagónicos é transmitida com um discernimento opressivo. O tema ‘1755’ finda e os gritos por Moonspell e os prolongados aplausos parecem querer atrasar o espetáculo.

‘In Tremor Dei’ conduz-nos por uma sucessão de paisagens sonoras, com Paulo Bragança a surgir em palco com alguma teatralidade, acrescentando com a sua voz uma profundidade arrepiante, rompendo o peso e trazendo uma sensação de inquietude.


A interação banda e público é o habitual, perfeita comunhão, uma imediata resposta dos fãs aos chamamentos da banda, quase instintiva. 


O feitiço da lua que domina todos, especialmente reforçado neste álbum pelos coros, dando um especial protagonismo às Crystal Mountain Singers, e excelentes orquestrações, que encontram no habitual virtuosismo da guitarra de Ricardo Amorim em conluio com as teclas de Pedro Paixão, no sólido trabalho de bateria de Mike Gaspar e do baixo de Aires Pereira um suporte para cada música sobe uma atmosfera de um locus horrendus que os vocais de Fernando Ribeiro, sejam eles sussurros góticos, gritos ásperos e penetrantes ou rugidos cavernosos e brutais, unem e fazem com que este novo feitiço já corra nas veias de todos com uma notável aceitação do novo trabalho, que era perfeitamente evidente dentro daquelas quatro paredes.

A primeira comunicação verbal surge após ‘Desastre’, seguindo-se ‘Abanão’ com uma crescente gradação da intensidade com que a plateia reage.



‘Evento’ arranca com o embalo dos aplausos, sem que existam corpos imóveis, o baixo soa maravilhoso e é com convicção que fica a sensação que este disco tem um dos melhores trabalhos de baixo da extensa carreira do conjunto. 

‘1 de Novembro’ preenche a sala com mais uma prova da variedade e capacidade vocal de Fernando Ribeiro, elevado pelo impressionante trabalho de guitarra de Ricardo Amorim, com riffs complexos e um belo solo e a toda a emotividade que os coros injetam nas almas. 

Uma chuva de cinza cobre literalmente todos de cinzento em ‘Ruínas’ e conduzidos pela saborosa escolha de escalas entramos no penúltimo capítulo do álbum, ‘Todos os Santos’, tema de avanço do mesmo, o vocalista ergue no braços uma cruz psicadélica, e a plateia acompanha em pleno pulmões não o deixando cantar sozinho, intensificando-se os headbangings, findando o tema perante uma floresta de metal horns, como se fosse já um clássico dos Moonspell. 


A apresentação do álbum termina com um cover de Os Paralamas do Sucesso, Lanterna dos Afogados, que parece escrita para este trabalho e faz eclodir na sala um momento de maior introspeção, mesmo para quem não está familiarizado com a língua, porque o instrumental é capaz de transmitir as mesmas emoções.



Com 1755 terminado, o grupo abandona o palco por breves momentos para voltar e presentear todos no encore com uma deliciosa seleção de clássicos, imortais e obrigatórios da banda, recheados de grandes solos, destinados a consumir o que sobrava das energias de cada um, contribuindo para imortalizar ainda mais uma atuação já memorável.






‘Everything Invaded’, ‘Night Eternal’, ‘Extinct’, ‘Em Nome do Medo’, ‘Alma Mater’ e ‘Fullmoon Madness’ permitiram uma muito agradável viagem desde 1995 até 2015. Pouco passava da meia noite quando saíram de palco, deixando para trás muitos aplausos, sorrisos e satisfação espelhada nos rostos.


Na segunda noite da apresentação do álbum, sendo véspera de feriado e também noite de Halloween, o Lisboa ao Vivo encheu completamente, com muitos fãs vestidos a rigor para a noite das bruxas.
Tal facto não passou indiferente à banda, já que o Haloween em Lisboa é já uma tradição Moonspelliana. e acrescentaram à actuação duas músicas mais adequeadas à celebração dos mortos, a ‘Vampíria’ e ‘Mephisto’, deixando ‘Extinct’de lado.


Em ‘O Nome do Medo’, foi chamado ao palco Rui Sidónio dos Bizarra Locomotiva, para um visceral dueto.


De nota também a menção sentida a um fã, que era suposto estar presente nesta festa, mas foi infelizmente uma das vítimas do incêndio de Pedrógão Grande.

Os Moonspell não se limitam a visitar o passado, a viver dos louros das glórias conquistadas, não fazem dois álbuns iguais, exploram todo o espectro do metal, desta feita absorvem influências clássicas para comporem o seu álbum mais sinfónico, sempre iluminado pelo feitiço da lua, negro, algures entre a brutalidade e a beleza trágica, aquele toque de identidade que liga todos os seus trabalhos, com uma maturidade e génio, que não lhes permite dar passos em falso e compor maus álbuns. Este trabalho é isso mesmo, uma tremenda prova de maturidade musical.

Texto: Henrique Duarte
Fotos: Joana Marçal Carriço (mais fotos brevemente na nossa página)

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